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Agência ambiental do governo dos Estados Unidos reconhece eficiência do etanol brasileiro

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Agência ambiental do governo dos Estados Unidos reconhece eficiência do etanol brasileiro. Para cientistas, decisão aumenta ainda mais a necessidade de investimentos em pesquisas sobre biocombustíveis

(Foto: Edemir Rodrigues – Governo do Estado de Mato Grosso do Sul)

Especiais

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5/2/2010

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – A Agência Norte-Americana de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) anunciou que o etanol brasileiro de cana-de-açúcar reduz as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 61% em relação à gasolina – o que o caracteriza como um “biocombustível avançado”.

O reconhecimento da EPA – que abre o mercado norte-americano e mundial para o etanol brasileiro e deverá contribuir para a redução das tarifas de importação impostas ao produto pelo governo dos Estados Unidos – aumenta ainda mais a necessidade de investimentos em pesquisas relacionadas ao biocombustível no Brasil, segundo pesquisadores.

“O governo dos Estados Unidos reconheceu algo que já estava bem claro para a comunidade científica. Trata-se de uma excelente notícia para o etanol brasileiro, pois a disponibilidade de um biocombustível avançado comercialmente viável é um elemento importante para a estratégia norte-americana de redução de emissões de GEE [gases de efeito estufa]. No entanto, a provável abertura do mercado criará uma demanda que só poderá ser suprida se tivermos um grande avanço tecnológico”, disse Luís Augusto Barbosa Cortez, professor titular da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à Agência FAPESP

Segundo Cortez, a necessidade de aumento da produção poderá ter tal magnitude que somente seria possível de ser realizada com investimentos em pesquisa para o aprimoramento do etanol de primeira geração e para o desenvolvimento da produção de etanol celulósico – que deverá aumentar a produtividade sem expansão da área plantada de cana-de-açúcar.

“Essa boa notícia precisa ser acompanhada de investimentos para que o etanol tenha melhores indicadores, como custo de produção, redução de consumo de fertilizantes, produtividade agroindustrial, condições de trabalho no campo e redução de queimadas. A sustentabilidade do etanol tem que ser considerada em suas dimensões ambientais, sociais e econômicas”, disse.

Cortez, que é coordenador adjunto de Programas Especiais da FAPESP, coordena o Projeto de Pesquisa em Políticas Públicas da Cadeia Cana-Etanol (Diretrizes de Políticas Públicas para a Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo), apoiado pela Fundação e voltado para as rotas tecnológicas para a produção do etanol.

De acordo com avaliação feita pela União da Indústria de Cana-deAçúcar (Unica), a decisão da EPA abre o mercado para a entrada de 15 bilhões a 40 bilhões de litros de etanol brasileiro nos Estados Unidos até 2022. A nova legislação norte-americana estabelece que o consumo mínimo de biocombustíveis deve ser de mais de 45 bilhões de litros anuais e, até 2022, esse volume deverá ser elevado para até 136 bilhões de litros.

“A decisão não abre o mercado apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo, porque a EPA é reconhecida em todos os países e o etanol brasileiro provavelmente ganhará importância nas estratégias de redução de emissões de todos eles”, disse Cortez.

O pesquisador também coordena estudos sobre expansão da produção de etanol no Brasil visando à substituição de 10% da gasolina no mundo em 2025 por etanol de cana-de-açúcar, feitos pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), da Unicamp.

Para ser considerado um biocombustível avançado, o produto deve reduzir as emissões de GEE em pelo menos 40% em relação à gasolina. Artigos científicos indicaram que a redução do etanol brasileiro variava entre 60% e 90%, dependendo da metodologia de estudo. O etanol de milho norte-americano, em comparação, produz redução de cerca de 15%.

“Que eu saiba, por esse critério, não há nenhum outro biocombustível avançado comercialmente viável. O biodiesel europeu, que tem melhor desempenho, proporciona reduções na faixa de 20% a 30%. Os norte-americanos têm esperanças de conseguir essa classificação para o etanol de segunda geração, mas ele ainda não é comercial e quando estiver sendo produzido ainda será muito caro”, afirmou Cortez.

Aumento da produção

O professor da Feagri-Unicamp explica que o reconhecimento da EPA certamente ajudará a derrubar a tarifa de importação do etanol brasileiro nos Estados Unidos, que está estabelecida até o fim de 2010 em US$ 0,54 por galão.

A tarifa, estabelecida para proteger os produtores de etanol de milho nos Estados Unidos, é considerada um grande obstáculo para o produto brasileiro. Mas, segundo o cientista, o ideal é que elas sejam diminuídas gradativamente, com a criação de tarifas diferenciadas.

“Com essas tarifas eles protegem os fazendeiros, mas não reduzem as emissões o suficiente. Esse protecionismo é incoerente com as estratégias ambientais e deverá ser revisto. Mas é preciso que essa redução aconteça paulatinamente para que a indústria brasileira tenha tempo para se preparar para a imensa demanda que será gerada. Se a redução for repentina, isso poderá levar ao desabastecimento”, disse.

O reconhecimento da EPA do etanol brasileiro como biocombustível avançado não basta para que ele seja integrado à estratégia norte-americana, segundo Cortez.

“Para optar de fato pelo nosso etanol, eles precisarão analisar se o Brasil é um fornecedor seguro. O único jeito de garantir isso é aumentar a produção. Hoje, sabemos que uma simples alta na exportação do açúcar já é capaz de afetar o fornecimento de etanol no Brasil”, afirmou.

Cortez ressalta que hoje os Estados Unidos consomem cerca de 560 bilhões de litros de etanol por ano, enquanto o Brasil consome aproximadamente 40 bilhões de litros.

“Se o mercado norte-americano começar a demandar uma quantidade importante como 5 ou 10 bilhões de litros por ano, isso vai afetar significativamente o mercado brasileiro. Esse mercado é muito sensível ao preço do açúcar em nível internacional e ao consumo de álcool em nível interno”, destacou.

Lula é o único economista que presta no Brasil, diz Delfim Neto

‘Lula é o único economista que presta no Brasil’

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Delfim Netto diz que virtude de Lula é falar a verdade sobre a economia

Roberval Angelo Schincariol e Roger Marzochi, da Agência Estado

Em meio ao desespero nos mercados, Lula surge como encarnação do otimismo

Pedro Bottino/arte estadao.com.br

Em meio ao desespero nos mercados, Lula surge como encarnação do otimismo

SÃO PAULO – Para o economista Antônio Delfim Netto, ministro da Fazenda em tempos de chumbo e de milagre econômico, o que fará a diferença na economia do tão temido ano de 2009 é a sensibilidade do brasileiro. E, segundo o professor emérito da FEA-USP, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a encarnação do otimismo. “Lula é o maior economista do Brasil”, diz Delfim. Em entrevista à Agência Estado, concedida na manhã do dia 10 de dezembro, em seu escritório localizado ao lado do Estádio do Pacaembu, no bairro paulistano de Higienópolis, o economista falou de Platão, Aristóteles, Henry Paulson, Alan Greenspan e, claro, Lula. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a avaliação que o sr. faz sobre os impactos da crise financeira no Brasil em 2009?

Você está em um ambiente complicado e é claro que o Brasil vai pagar o preço de fazer parte do mundo, como tem os benefícios. O Brasil usou a expansão que houve no mundo. E eu estou convencido de que esta crise é, simplesmente, a própria crise de 2001 consertada pelos economistas. Teve a crise em 2001, que foi a crise do pontocom, que explodiu, e apareceu aquela patifaria da Enron. E como é que os economistas resolveram essa crise? Fornecendo liquidez e permitindo que toda a imaginação do sistema financeiro se exercitasse plenamente, com a idéia de que o sistema tinha em si uma moralidade ínsita. Portanto, ninguém precisa se preocupar porque é tudo gente correta, que não vai fazer nada de patifaria…

O sr. avalia que hoje, então, houve o estouro da bolha da moralidade?

Não, a moralidade já explodiu na Enron. E o que o governo foi fazendo? O Fed e o Tesouro americano passando a grosa, permitindo que você fizesse um curto-circuito aqui, outro lá. Quando o (Henry) Paulson (secretário do Tesouro) tomou posse, em 2006, ele declarou: “Eu vim para acabar com o resto de regulação que está perturbando o crescimento.” Em 2006! A crise já estava explodindo! Então, você está diante de um fato: os economistas são capazes de produzir uma crise, mas não podem resolvê-la. A crise está fora da economia.

Seria uma crise de expectativa?

Seria uma crise de expectativa, de crença, de confiança Qual é a origem da sociedade? Está no velho Platão, antes do Aristóteles. Para a coisa funcionar, tem de ter possibilidade de trocar o meu trabalho com outro. E tem de ter uma moeda. Nós estávamos produzindo milho. Eu vivia pobre, você também. Mas eu produzia o meu, você produzia o teu. Mas chegamos a um acordo. Eu vou produzir o milho e você vai fazer um buraco aí até conseguir água, depois a gente irriga o milho, vai dobrar a produção e vamos viver melhor. Esse é o progresso. Está no Adam Smith. Divisão do trabalho. Isso exige que eu confie que, enquanto eu estiver produzindo o milho, você esteja fazendo o buraco. Então, a confiança precede a sociedade. Ela é o cimento, o fator catalítico que faz funcionar a sociedade. Os economistas nunca se preocuparam em saber o que estava por trás do mercado. Atrás do mercado está o Estado. E, atrás do Estado, está a confiança.

É quando o sr. diz que economia não é ciência.

É claro que economia não é ciência. É um bom conhecimento empírico que deve ajudar a administração. Porque o homem tem um defeito enorme: ele pensa. Se o átomo pensasse, a física seria bem mais complicada. Na verdade, o homem aprende. Na economia, ele aprende e se defende. A minha idéia é que você tem de pagar o preço de estar no mundo, mas temos condições melhores. Nem é por virtude. Foi por um acidente. Nós tivemos uma crise bancária muito séria, fizemos um Proer e, com ele, nós demos uma arrumada no sistema bancário.

O Proer foi positivo para o sistema?

Eu vejo o Banco Central (BC) como dois ‘animais’. Um tem nota dez, outro tem nota dois. O BC fiscalizador se saiu muito bem. Os bancos estão hígidos, têm alavancagem baixa, são cuidadosos. É claro que o Brasil tem contato com o mundo e precisava de financiamento externo para fazer funding dos bancos.

Na atual crise, o BC agiu no tempo certo?

A ação do BC foi no tempo próprio, com alguns pecadilhos. Em lugar nenhum do mundo o BC diz: “Eu vou dar dinheiro para banco grande comprar banco pequeno.” Muito menos vou dar dinheiro para banco público, porque aqui você tem dois problemas graves: a higidez de um banco não depende nem da sua propriedade nem do seu tamanho. O banco público não é muito mais seguro que nenhum banco privado. Mas por uma simples razão: porque banco, por definição, é quebrável.

Quando o sr. diz que o BC não deveria ter dito que o dinheiro era para comprar bancos pequenos, deveria ter dado o dinheiro sem dizer…

Não, deveria ter feito as coisas já de uma vez! Não deveria usar a técnica do conta-gotas. Quando se faz um sistema no qual eu compro a carteira do outro, estou levantando dúvidas sobre essa carteira. É como ter um dinossauro Rex de boca aberta e tem uma galinha que eu estou espantando para a boca do dinossauro.

Hoje sofremos o risco de, ao tentar resolver esta crise, criarmos outra?

Eu acho que hoje as pessoas estão aprendendo. Primeiro, porque se não fosse o Brown (Gordon Brown, primeiro-ministro britânico), o Paulson estava até hoje procurando a causa do problema. Com sua intuição inglesa, Brown disse: “Não, o problema é do capital. O problema veio da alavancagem que vocês fizeram.” Nunca houve uma coordenação mundial como está havendo. Se tudo funcionar mais ou menos, essa crise deve ser menor do que seria sem a intervenção do governo e mais rápida do que seria sem ela.

Mas o sr. não avalia que a crise financeira será tão forte no Brasil como está sendo para o resto do mundo?

A crise americana vem vindo desde o começo de 2007. No Brasil, não. É uma crise datada. Vinha se desarrumando e, quando o Paulson faz a barbeiragem no Lehman, desaba tudo. Ou seja, ele matou o fator catalítico, que era a confiança. E no Brasil ocorreu uma função descontínua. É uma crise de confiança que atingiu os bancos lá fora.

Mas houve uma queda na concessão de crédito no Brasil.

Você imagina uma coisa. Chega um grande banqueiro brasileiro no Waldorf-Astoria e encontra com o homem do Citi, na sua importância, para dizer: “Eu ainda não cortei o crédito lá.” O homem do Citi diz: “Esse sujeito não faz parte do nosso clube ” Agora, nenhum deles fez patifaria aqui, nem sei se por virtude É que aqui tinha formas de ter retorno muito mais seguro e mais alto que com a patifaria.

Com juros?

Então, nós já tínhamos a mais alta taxa e fizemos o maior aumento do mundo. Quando o mundo inteiro reduziu, nós continuamos insistindo na mesma política. Isso tudo, que era um defeito enorme, agora as pessoas dizem que foi uma clarividência É como aquele francês, para quem ofereceram a Brigitte Bardot. Só que hoje ela está com 80 anos!

Se o senhor fosse o presidente do BC, qual seria a taxa ideal de juros?

O Brasil não tem nenhuma razão para ter a maior taxa de juro do mundo. A taxa de equilíbrio é 3%, 3,5%, como é no mundo todo. Com inflação de 5%, poderíamos rodar com 8% nominal. Mas tudo isso é absolutamente irrelevante porque o BC nem tem mecanismo para fazer esse negócio. Então, vamos pensar onde paramos. Paramos por uma questão psicológica. O Lula é o único economista que presta no Brasil porque é o único que está falando a verdade. A intuição dele mostra o seguinte: nós estamos interrompendo o circuito econômico porque, se você não comprar o carro, porque tem medo de ficar desempregado, é certo que você vai ficar desempregado, porque a Volkswagen não faz o carro por medo que não vai ter demanda. E o banqueiro, no final, que pensa que está salvo, ele também vai morrer junto com o sistema.

É como o sr. já comentou que, ao pregar a morte do crédito, os banqueiros acabam se “suicidando”?

Eles se suicidam porque não têm outro remédio. Porque nenhum banco é seguro! E aqui é que vem a segunda crítica à política do BC. Quando ele diz que está dando dinheiro para o Banco do Brasil, para a Caixa Econômica pra fazer isso ou aquilo, está dizendo o quê? Esses bancos são mais seguros. Isso tudo é um equívoco monumental.

Como o sr. mede a expectativa hoje?

O Lula, com todas as críticas… As pessoas ficam furiosas com o Lula. Porque há, na verdade, um preconceito enorme. A vantagem do Lula é não ter um curso superior.

É uma vantagem?

Sim, não é um prejuízo. Senão ele estava igualzinho aos de curso superior aí dizendo “tá tudo perdido!, “estamos perdidos!”, “‘sifu’ para todos nós!”. Então, o que acontece? É uma atitude ingênua, mas que corresponde a uma realidade. O fator principal é restabelecer aquilo que é o cimento da sociedade, que é a confiança.

Em uma entrevista recente, o sr. afirmou que não fazia previsões para 2009…

O que você pode esperar do Brasil? Devido a essas condições, pode-se esperar uma situação um pouco melhor. Não adianta fazer editorial dizendo que o Lula é oportunista, que fala errado. Também ele não vai brigar por conta disso. E dizer que o Lula não conhece física quântica porque ele também prefere não saber física quântica. O que ele conhece é gente. Então, se quatro quintos do Nordeste e dois terços do Sul acreditam no Lula, é porque tem alguma coisa que funciona.

E quanto disso pode se refletir no crescimento do Brasil?

Qualquer número é um chute. A minha convicção é a seguinte: quando o Brasil cresce? Cresce quando cresce mais que o mundo.

O sr. não pensa em voltar para o governo?

Você está louco! Esquece essas coisas. Deixa eu te contar. Hoje é outro mundo. Hoje você precisa de gente e de uma arrumação do governo. Desligou já isso (o gravador)? Não, não tem nada de desligar não, é isso mesmo.

Miguel Bruno: Crise nos EUA e financeirização no Brasil

Valor Econômico

Crise nos EUA e financeirização no Brasil: compreender para superar
(10/11/2008 – 11:43)

Artigo de Miguel Bruno*

A ciência econômica tradicional rigorosamente não tem uma teoria das crises. A análise desses fenômenos periódicos em economias capitalistas é reduzida a uma abordagem das flutuações cíclicas, convencionalmente chamada de “business cycles theory”. A razão para isto decorre do que Bachelard, químico e filósofo da ciência, denominava por obstáculo epistemológico. Trata-se de práticas de pesquisa e de formas de pensamento cristalizadas pelo saber instituído, que se convertem em entraves no processo de conhecimento científico. Segundo o epistemólogo, “diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber”. Para Bachelard, o conhecimento do real é uma luz que sempre projeta sombra em algum lugar. Ele nunca é imediato e pleno, as revelações do real são sempre recorrentes. O real nunca é o que poderíamos acreditar, mas sim o que deveríamos ter pensado.

O pressuposto de que mercados liberalizados seriam naturalmente eficientes constitui o primeiro obstáculo epistemológico da teoria econômica padrão. O segundo consiste na premissa de que comportamentos especulativos são benéficos, pois sua função econômica é a de atenuar as flutuações de preços devidas às mudanças na oferta e na demanda, estabilizando o sistema. Mas então como explicar o fato de a maioria das crises financeiras serem precedidas por um período de boom no mercado de crédito e de superespeculação? Como a teoria se fragiliza diante da observação do que ocorre com as economias reais, seus proponentes vão buscar as causas das crises fora da própria lógica mercantil. Milton Friedman argumentava que a causa da crise dos anos 30 do século passado residia numa política monetária equivocada do Fed, àquela época contracionista. Já a atual crise poderia ser “explicada” também pelos equívocos do mesmo Fed, mas desta vez com uma política monetária excessivamente frouxa, cujos efeitos tornaram-se incertos num ambiente de desregulamentação financeira. Portanto, como as crises surgem como a negação empírica do equilíbrio e da eficiência dos mercados, a estratégia “científica” da análise mainstream é atribuir suas causas a agentes supostamente externos (o Estado e suas políticas errôneas, hora gastando de menos, hora gastando demais) e a choques exógenos (preços do petróleo, catástrofes naturais, guerras, revoluções, etc.).

Mas da literatura econômica sobre crises, pode-se extrair vários ensinamentos úteis para compreendê-las e superá-las: 1) Os mercados são construções sociais complexas, cuja eficiência depende de arranjos institucionais específicos. Do contrário, os interesses privados destroem a coerência macroeconômica e a coesão social do conjunto do sistema, instaurando a crise como solução violenta dos desequilíbrios gestados e acumulados na fase de expansão; 2) Mercados financeiros são muito diferentes dos outros mercados, em razão das especificidades dos ativos transacionados, cuja liquidez depende também das características dos regimes monetários e cambiais; 3) Depressões são muito pouco prováveis em economias onde o Estado está inscrito no circuito da produção e da distribuição da renda nacional. O Estado inscrito caracteriza-se por duas inovações principais: a institucionalização do salário indireto e a combinação de gestão monetária com política econômica. No capitalismo liberal da primeira metade do século 20, o Estado era circunscrito. Uma das conseqüências da globalização (exceto para aqueles países que se engajaram em estratégias consistentes de desenvolvimento econômico) foi o retorno, ainda que parcial, desse tipo de Estado, que se baseia na hipótese de que os interesses dos mercados são sempre coincidentes com os interesses de toda a sociedade; 4) As grandes crises têm causas endógenas, não são necessários choques externos para que ocorram. Trata-se do chamado princípio do endometabolismo, segundo o qual o funcionamento da estrutura altera a própria estrutura. O simples fato das estruturas sócio-econômicas operarem no tempo e no espaço pode ser motivo suficiente para a sua transformação e crise. Este princípio permite compreender-se como um modelo econômico considerado bem-sucedido, como o dos EUA nos anos 90, deságua inicialmente em crises financeiras de baixa e média intensidade, para então culminar, via efeitos cumulativos, numa grande crise com impactos diretos sobre o sistema produtivo deste país e dos outros que o mimetizaram passivamente.

A crise de liquidez é apenas uma das formas de expressão de problemas estruturais mais profundos. Os EUA deslocaram plantas industriais importantes para o exterior e aprofundaram a flexibilidade e a precariedade de suas relações de emprego. A taxa média de lucro da economia americana está em queda desde 1998, apesar de o declínio tendencial da participação dos salários no produto nacional ter-se iniciado uma década antes. Como os ganhos de produtividade permaneciam muito acima do crescimento do salário médio real, a expansão do consumo interno passou a depender cada vez mais do efeito riqueza derivado da detenção de ativos financeiros, da forte expansão do crédito e do elevado endividamento familiar. Mas, como a taxa de acumulação de capital fixo produtivo despencou nos anos 1990, para cerca de 1/5 do valor médio de finais dos anos 1970, essa configuração terminou por desestabilizar o sistema econômico porque fragilizou os rendimentos do trabalho e, tornando-os altamente sensíveis à conjuntura, promoveu a inadimplência.

Essa é uma crise do regime de acumulação financeirizado dos EUA, mas que se converte em uma crise do capitalismo financeirizado em escala global. Apesar de suas especificidades, o Brasil tem vários pontos comuns com o caso americano. Como os EUA, praticou, no período pós-Real e pós-liberalização, uma excessiva concentração funcional da renda em favor dos lucros. Nessas condições, se o investimento produtivo não estiver crescendo suficientemente, a sustentabilidade da demanda efetiva é ameaçada e o sistema é empurrado para uma zona de instabilidade estrutural. Temos uma economia onde a financeirização baseia-se em derivativos e renda fixa que, juntos, respondem por mais de 50% de toda a receita operacional do sistema bancário-financeiro brasileiro, enquanto as receitas de operações de crédito não ultrapassam os 20%. Por isso a relação crédito /PIB está em 39%, uma das mais baixas entre os países emergentes. Se lembrarmos que esta economia já se caracteriza por níveis dramáticos de concentração da renda e da riqueza, os analistas que estão advogando cortes dos gastos públicos como medida anti-crise deveriam urgentemente livrar-se dos obstáculos epistemológicos da teoria que utilizam para melhor compreender as causas e os mecanismos de propagação da crise atual.

*Miguel A. P. Bruno, assessor de Projetos Especiais – Crescimento e Desenvolvimento do Ipea, professor adjunto do Departamento de Evolução Econômica da UERJ e do Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da ENCE/IBGE.

Para Maria da Conceição, 2010 será o auge da crise

Quarta, 29 de outubro de 2008, 13h57 Atualizada às 14h46

Para Maria da Conceição, 2010 será o auge da crise

Claudio Leal/Terra Magazine

A economista Maria da Conceição Tavares, para quem o auge da crise econômica global se dará em 2010, em pleno processo eleitoral brasileiro para a ...

A economista Maria da Conceição Tavares, para quem o auge da crise econômica global se dará em 2010, em pleno processo eleitoral brasileiro para a presidência da República

Claudio Leal
Do Rio de Janeiro

Sem cair em previsões catastrofistas, a economista e professora-emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria da Conceição Tavares, estima que, em 2010, o mundo viverá o auge da crise financeira. Por má coincidência, ano eleitoral no Brasil.

“Quando trocarmos de governo, devemos estar vivendo o auge da crise. Não é agora, é em 2010”, diz Conceição. Espera que a gestão do presidente Lula não seja politicamente afetada, pois reconhece “que há realmente um avanço” no País.

– Dívida externa. É a primeira vez que nós pegamos uma crise internacional e não estamos endividados até as orelhas. Em todas as demais, fomos à moratória.

Filiada ao PT, a professora participou ontem à noite de um seminário sobre a crise mundial na visão da esquerda, organizado pelo ex-deputado federal Vivaldo Barbosa, no Salão Nobre da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Na mesa de debates, o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa e o economista Reinaldo Gonçalves. A platéia de cerca de 40 ouvintes reunia representantes do PSB, PSOL, PDT e PCdoB.

O agravamento da crise internacional tem feito a economista intensificar sua participação nos debates econômicos. Com a mesma paixão e voz rascante, ironiza na largada: “Não tenho saída de esquerda para a crise”.

– Não sei o que a esquerda espera ouvir hoje. Não ouvi palpites da esquerda pra recessão brasileira no ano que vem. Agora, 2010 não dá pra prever. Porque tudo depende de como a gente consiga se safar em 2009. E de como se resolva ou não parte dos galhos mundiais – analisa.

Em sua avaliação, a “China é um país-dólares. Está suportando o dólar”. Ao longo da palestra, Maria da Conceição Tavares fez uma análise histórica da crise e pontuou paralelos com outras precedentes. Pode se desenhar um mundo multipolarizado.

– Eu acho que esta crise é mais parecida com a de 1890. Quem investiu muito mais rápido e passou a ter muito mais poder depois da perda do poder econômico do mundo pelos ingleses? Os americanos, os alemães… É claro, os que eram potências. E hoje está acontecendo a mesma coisa. O que vai acontecer no mundo? Os chineses, os hindus… Lógico, todo mundo quebrando, “vamos poder crescer um pouquinho…” Estamos caminhando para uma multipolaridade.

“Keynesianos de boca”

Na visão da economista, quem leva a pior, no momento, é o Leste Europeu. “Eles é que estão levando porrada. O pau canta dos dois lados (no Ocidente e na Rússia).” E faz uma radiografia dos convertidos, repentinamente, ao keynesianismo (de John Maynard Keynes, economista britânico, defensor do papel regulatório do Estado).

– Entre os que estão corrigindo, os que têm poder pra corrigir a situação, não houve uma troca de cabeças… Agora, eles são keynesianos de boca, e não só de boca, de interesse.

Conceição vê barreiras para “uma reformulação, uma refundação do capitalismo”. Nesse debate, sente-se obrigada a rever uma antiga resistência ao presidente da França, Nicolas Sarkozy.

– Paradoxalmente, o mais à direita, que é o (Nicolas) Sarkozy, prega isso. Quando Sarkozy ganhou as eleições, eu odiava o Sarkozy. Um fascistão! Mas a verdade é que ele está nessa (de defender uma refundação). O que não é tão espantoso porque os partidos de centro defendem a intervenção do Estado. Em relação à crise (de 30), quem entrou com o Estado? Os nazistas e os fascistas. Não há tanta contradição. Os fascistas autoritários não têm nada contra o Estado intervencionista.

Segundo a professora, a atual crise não é mais complexa porque desregularam o mercado financeiro. Há outros tipos de complexidades na jogatina.

– Desregular, eles desregularam no século 19. Não é só por isso. É porque eles inventaram uma porrada de inovações que contaminam tudo. Esses derivativos de crédito, de câmbio…Tudo que se possa imaginar. Como isso contagia o sistema inteiro, nós temos que ser mais cuidadosos. Todos estão metidos.

Confira outros momentos da palestra de Maria da Conceição Tavares:

Petrobras e PAC

“A Petrobras não vai parar de investir. Ela pode dizer que não vai investir no pré-sal, de imediato; esperar um pouco pra ver o que vai dar o preço internacional. Mas os programas que já estavam postos não vão parar. O mesmo é a Eletrobras. E, dessa vez, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) vai ser pra valer, não tem brincadeira. Agora é pau no lombo e superávit primário caindo. Sendo assim, a expectativa é que a gente não passe uma recessão. No ano que vem, uma recessão é praticamente impossível. Basta crescer um ponto, um ponto e meio, pra chegar a três, três e meio, que é mais ou menos o que o Fundo Monetário espera de todo mundo. Dos malucos, não, mas eu também não vou levar a sério malucos.”

Projeto para o Brasil

“No meio dessa crise, era bom começarmos a pensar a sério, a sério não mais apenas na conjuntura, mas num projeto pro Brasil que não está nem de longe construído. Nem pela esquerda, que dirá pela centro-esquerda. Porque se nós não tivermos alguma… acho que há apenas um consenso, que a direita também aderiu: não se deve matar por fome os pobres. Parece que isso a direita encampou. Não há consenso nenhum sequer sobre o salário mínimo. Porque vem com o papo do déficit da previdência. Não há nenhum consenso sobre as reformas.”

Reformas neoliberais

“Fracassou o neoliberalismo, sim. Mas as reformas que estão em pauta são todas neoliberais. Essa reforma fiscal que foi enviada ao Congresso é uma reforma neoliberal. Já assinei manifesto, eu e todo mundo que é medianamente interessado no assunto. Porque ela é neoliberal. Ninguém aqui é pelo neoliberalismo, o que significa que ninguém acredita mais que o mercado se auto-regule. Todo mundo agora é a favor da intervenção do Estado, para que o Estado salve. Agora, reformas. Continuam neoliberais. Não ouvi ninguém… Eu não conheço nenhum keynesiano no mundo que tenha proposto reformas neoliberais. E, no entanto, é óbvio que o capitalismo vai ter que se reformar. Não adianta dizer: “Vou refundar.” Não adianta refundar. Já fizemos refundações. Mas não é essa questão. Tem que reformar.”

Terra Magazine

Miguel Bruno – Brasil, entre o crescimento e a crise americana

Valor Econômico: Brasil, entre o crescimento e a crise americana
(22/10/2008 – 11:57)

Miguel Bruno*

A análise da evolução econômica brasileira nos últimos dez anos revela a existência de dois diferentes padrões de crescimento. Entre 1997 e 2003, o regime foi nitidamente instável, com taxas reduzidas e bastante voláteis de crescimento do PIB. A economia esteve imersa numa dinâmica do tipo stop and go, muito perniciosa por seus efeitos negativos sobre a acumulação de capital fixo produtivo, que é a base do desenvolvimento econômico. A política econômica esteve focada na estabilidade financeira e de preços, mas sob o pressuposto equivocado de que o equilíbrio macrodinâmico lhes seria a resultante necessária. Trata-se da hipótese liberal e conservadora de que a política monetária deve cuidar apenas dos preços, pois não afetaria o PIB potencial no longo prazo. Desta forma seria capaz de bem pavimentar uma trajetória futura de crescimento econômico sustentado, pois taxas elevadas de juros simplesmente não importam para as decisões de investimento, já que a moeda é suposta neutra. Todavia, tal hipótese carece tanto de fundamento teórico consensual quanto de evidências empíricas satisfatórias. Disto decorre que, de um modo apenas aparentemente paradoxal, a política monetária contribuiu para manter baixa a inflação brasileira, mas à custa de igualmente baixas taxas de investimento produtivo. Do outro lado dos mercados, porém, as alocações de recursos não consumidos (poupança das empresas e das famílias) em ativos financeiros atingiam cifras enormes e inimagináveis no período pré-liberalização. Em 2006, por exemplo, o rendimento financeiro acumulado com a detenção desses ativos representava 57% da renda disponível bruta do Brasil. Os fluxos de juros recebidos e pagos pelo setor financeiro nacional atingiram, no período 1993-2006, as médias, respectivamente, de 29,7% e de 22,3%. Portanto, com taxas reais de juros extremamente elevadas pelos padrões internacionais, evidentemente a quase totalidade dessa poupança manteve-se (e ainda mantém-se) retida na circulação bancária e financeira. Isto significa que na economia brasileira não há propriamente problema de escassez de recursos para investimento produtivo, mas sim um problema clássico de composição de poupança, já que parte significativa da mesma está sendo “esterilizada” por aplicações de curto prazo desconectadas das atividades reais.

Mas, apesar das contradições que caracterizam essa estratégia que privilegia a acumulação rentista, um novo regime de crescimento pôde emergir no início de 2004, graças à conjunção de determinadas condições estruturais e conjunturais favoráveis: a) forte demanda internacional por commodities, desencadeada, principalmente, pela expansão da Ásia; b) redução das taxas básicas de juros Selic, a partir de 2005; c) os elevados ganhos de produtividade da indústria de transformação e os retornos crescentes de escala dinâmicos no segmento exportador deste setor, graças às novas bases técnicas produtivas; d) a existência do BNDES como agente promotor dos financiamentos de longo prazo; e) fortalecimento do mercado interno através da recuperação do poder aquisitivo do salário mínimo, dos salários em geral e dos programas de transferência de renda; e f) os efeitos contraditórios da apreciação cambial, que promove tanto a importação de bens de consumo quanto a de bens de capital de última geração, necessários à atualização das plantas industriais. Em outros termos, enquanto as taxas de juros elevavam sobremaneira o custo de uso do estoque de capital fixo produtivo do país, o câmbio apreciado, coeteris paribus todos os outros efeitos perversos, podia atuar em sentido contrário.

Desta vez, o regime de crescimento econômico beneficia-se de uma maior taxa de acumulação de capital fixo produtivo, o que implica crescimento do PIB potencial também a taxas mais altas. Além disso, como destacam Bansak, Morin e Starr, em um estudo de 2004, as mudanças nas relações entre tecnologia e o nível de utilização da capacidade instalada podem implicar mudanças nas relações entre este último e a inflação. Para um dado nível de utilização da capacidade, o grau de pressão inflacionária pode então ser menor do que o observado no passado. O ponto central é que, ao tornarem as estruturas de oferta mais flexíveis, as novas tecnologias permitem respostas mais rápidas às pressões de demanda, sem necessariamente suscitar ou realimentar uma eventual espiral salários-preços. Neste contexto, as considerações sobre possíveis limites de capacidade com base apenas no Nuci podem conduzir a um excessivo conservadorismo na gestão monetária. Vale lembrar que o custo unitário do trabalho na indústria (definido como o diferencial entre os aumentos reais de salário e os ganhos de produtividade) está em queda há mais de dois anos. As pressões advindas dos preços dos serviços e dos produtos agropecuários podem ser também atenuadas, visto que a indústria continua sendo, em qualquer economia capitalista moderna, a principal fornecedora dos insumos fundamentais para esses setores.

Mas o atual regime de crescimento não tem apenas virtudes. Tem também seus próprios handicaps, pois ele é portador das grandes contradições veiculadas por uma aplicação deliberada e institucionalizada da hipótese de neutralidade da moeda e por uma apreensão da inflação que, não importa qual origem, é sempre assimilada a uma inflação de demanda. Como conseqüência direta, a acumulação de capital fixo produtivo (e conseqüentemente o produto potencial) expande-se quando as expectativas do mercado financeiro são otimistas. Quando não o são, as expectativas de investimento dos outros setores são contaminadas pelo “fantasma” da alta inflação, pelos riscos de depreciação cambial ou por outros atributos derivados de avaliações subjetivas dos detentores de capital e dos gestores de carteira. No contexto da presente crise americana, essas contradições tendem a se agravar, revelando os pontos fracos do atual regime de crescimento subordinado à acumulação patrimonial e às finanças liberalizadas. Um dado fundamental refere-se à tendência de depreciação da taxa de câmbio, pois não é prudente apostar nas vantagens auto-equilibrantes do regime flutuante postulando-se que este sempre a trará de volta ao nível de normalidade para os negócios. Para garantir a continuidade dos investimentos produtivos, deve-se assegurar um nível mínimo de previsibilidade do câmbio e a sustentabilidade da demanda efetiva. Como mecanismo de defesa contra a “endogeneização” definitiva da crise americana pela economia nacional, o governo deveria promover mudanças institucionais que permitissem reduções economicamente significativas e duráveis das taxas de juros e da carga tributária. Como nos EUA, também aqui o Estado será requisitado para cumprir, de forma ativa, seu papel de socializador dos custos da estabilidade financeira e macroeconômica, bem como dos prejuízos implícitos e explícitos da desregulamentação neoliberal que lastreou nossa forma específica de adesão à globalização. Uma possível saída poderá ser pelo caminho do mercado interno, com o resgate do papel determinante da indústria no desenvolvimento econômico das nações. Foi assim também na saída da grande crise dos anos 30.

Miguel Bruno é coordenador do Grupo de Análise e Projeções da Diretoria de macroeconomia do Ipea e professor da UERJ.

BNDES prepara nova linha de crédito

BNDES prepara nova linha de crédito

Para contornar falta de financiamentos no mercado, banco vai fornecer capital de giro a empresas de diversos setores

Exportadoras como Sadia, Aracruz e Votorantim, que tiveram problemas com câmbio, poderão adiantar parcelas de financiamento

LEANDRA PERES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

Em mais uma tentativa de contornar a queda na oferta de crédito pelos bancos privados às empresas, o governo prepara agora, por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), uma linha de capital de giro para oferecer a companhias de diversos setores econômicos.
Já as empresas exportadoras que tiveram prejuízos por fazer apostas no mercado cambial poderão receber adiantamentos de parcelas de empréstimos que já tenham negociado junto ao BNDES. Essa seria uma maneira de ajudar as companhias sem, no entanto, parecer que o governo está oferecendo socorro financeiro.
Segundo a Folha apurou, a área técnica do BNDES já está detalhando como os empréstimos por meio dessa nova linha funcionariam. A oferta de mais dinheiro público seria a principal contribuição do banco de fomento para reduzir a falta de liquidez no mercado e segurar o crescimento econômico no ano que vem.
Na semana passada, o presidente Lula disse que não haverá socorro oficial a empresas quebradas. Ontem foi a vez de o ministro Guido Mantega (Fazenda) repetir o discurso. Na sexta, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, afirmou que o banco quer ajudar as empresas exportadoras que sofreram perdas com o câmbio.
Coutinho não detalhou como poderiam ser feitas as operações de empréstimo, mas mencionou que muitas grandes exportadoras contam com programas de investimento no BNDES. Ele citou a possibilidade de adiantar recursos para assegurar a liquidez. Outra hipótese seria a emissão de debêntures (títulos de dívida).
Na prática, porém, qualquer liberação de dinheiro, por meio de adiantamento, compra de debêntures ou mais capital de giro, funcionará como um socorro, pois recursos poderão ser usados para quitar os prejuízos no mercado de câmbio, uma vez que não há dinheiro “carimbado”.
Os empréstimos do BNDES são normalmente liberados em etapas, de acordo com o andamento dos projetos. Entre as grandes exportadoras que anunciaram prejuízos, Sadia e Aracruz têm recursos ainda a receber do banco.
A Aracruz teve um financiamento aprovado no valor de R$ 595,9 milhões em 2006. Os recursos eram destinados a aumentar a capacidade de produção da unidade industrial de Barra do Riacho.
Já a Sadia obteve empréstimo de R$ 462,5 milhões no ano passado. O montante era destinado à construção de um complexo agroindustrial, em Lucas do Rio Verde (MT), com dois frigoríficos. Em 2005, a empresa já havia tido a aprovação de um outro financiamento do banco no valor de R$ 974 milhões. A decisão de liberar os recursos da nova linha de capital de giro dependerá ainda de uma avaliação mais detalhada do comportamento do crédito. Caso não veja melhora na situação ao longo de novembro, o dinheiro poderá sair ainda neste ano. A idéia, no entanto, é oferecer crédito a taxas de mercado, assim como o banco fez com a linha de financiamento para pré-embarque no começo de outubro.

Setor de construção civil teve maior perda na Bovespa

São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2008


GUILHERME BARROS – guilherme.barros@uol.com.br

Setor de construção civil teve maior perda na Bovespa

De todos os setores da economia, o mais atingido na Bolsa brasileira pela crise financeira global foi o de construção civil. O valor de mercado das 30 companhias listadas na Bovespa caiu 72,3% neste ano até a última sexta-feira.
No início deste ano, as 30 empresas somadas valiam R$ 53,1 bilhões na Bovespa. Na sexta-feira passada, o valor dessas companhias encolheu para R$ 14,7 bilhões. Nada menos do que um volume de R$ 38,3 bilhões evaporou.
O segundo setor mais atingido foi o de papel e celulose, que teve uma queda de 67,7% no valor das companhias. Em terceiro, eletroeletrônicos (-61,8%). Todos os setores registraram quedas significativas.
As perdas foram expressivas. O valor total das empresas listadas na Bolsa caiu pela metade: de R$ 2 trilhões para R$ 1 trilhão. Só o setor de petróleo e gás perdeu R$ 231,9 bilhões, influenciado pela Petrobras. Os bancos encolheram R$ 223 bilhões, e o setor de mineração (leia-se Vale), R$ 160 bilhões. Foram esses os três segmentos com maior volume de perdas na Bolsa brasileira.
Todos esses números, que foram levantados pela Economática, indicam as razões para o governo se mostrar tão preocupado com o setor da construção civil. O pacote divulgado na semana passada autoriza a Caixa Econômica Federal a adquirir participações em empresas de construção que estejam em dificuldades.
Segundo Fernando Excel, presidente da Economática, essa queda no valor de mercado no setor de construção se deve, claro, à crise global, mas, não deixa de refletir também os exageros nos IPOs (sigla em inglês para oferta inicial de ações) das construtoras. Os investidores imaginaram que o crédito imobiliário no país, que gira em torno de 2% do PIB (Produto Interno Bruto), iria quintuplicar de tamanho de uma hora para outra.
“Foi uma alucinação o que aconteceu com a construção”, afirma Excel.
Das 30 empresas na Bolsa, a que mais caiu foi a Inpar, com queda de 93,5% no seu valor de mercado. Em seguida, Abyara (-92,8%), Agra (-90,7%) e Tenda (-88,6%).
O governo tem duas preocupações básicas em relação ao setor de construção. A primeira é a de as empresas não terem recursos suficientes para concluírem os imóveis já comprados na planta. A outra diz respeito à manutenção do emprego no setor.
Há poucos dias, o governo anunciou que irá criar uma linha de capital de giro de R$ 4 bilhões para aliviar o setor. A dúvida é se esse dinheiro será suficiente.

BC aplicou 75% das reservas internacionais em títulos dos EUA

21/10/200821h29
BC aplicou 75% das reservas internacionais em títulos dos EUA
EDUARDO CUCOLO
da Folha Online, em Brasília

O Banco Central possui hoje US$ 152,8 bilhões das reservas internacionais aplicadas em títulos do governo dos EUA. Isso representa cerca de 75% das reservas totais, que estão em cerca de US$ 205 bilhões.

Segundo o presidente do BC, Henrique Meirelles, outros US$ 24,7 bilhões estão aplicados em entidades supranacionais, sendo a principal delas do BIS (o banco central dos bancos centrais). Há ainda US$ 9,3 bilhões em agências governamentais, entre elas o KFW (banco alemão de investimento).

Meirelles afirmou que as aplicações das reservas acompanham o perfil da dívida do Brasil. Por isso, a maior parte está aplicada em dólares.

Há ainda US$ 16 bilhões aplicados em euros, a maior parte em títulos dos governos europeus (US$ 13,6 bilhões), US$ 894 milhões em ouro. O restante é utilizado em aplicações de overnight (por um dia), para dar liquidez às reservas.

Durante audiência na Câmara dos Deputados para falar sobre a crise externa, Meirelles afirmou também que 0,5% das reservas são geridas por instituições independentes, entre elas o BIS e os bancos Barclays e JP Morgan. O restante é administrado pelo próprio BC.

Mais cedo, Meirelles afirmou que o BC já utilizou cerca de US$ 23 bilhões em diversos instrumentos para intervir no câmbio devido à disparada recente do dólar. Desse total, foram gastos US$ 3,2 bilhões das reservas.

Além disso, o BC emprestou mais US$ 3,7 bilhões em leilões de dólares de linhas externas e outro US$ 1,6 bilhão no primeiro leilão de moeda direcionado ao comércio exterior, realizado ontem. O BC também utilizou US$ 14,3 bilhões em contratos de câmbio.

Perdas de fundos de pensão chegam a R$ 38 bi, diz entidade

São Paulo, quarta-feira, 08 de outubro de 2008

Perdas de fundos de pensão chegam a R$ 38 bi, diz entidade

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os fundos de pensão já amargam perda superior a R$ 40 bilhões com a queda na Bolsa. De acordo com a Abrapp (Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar), até setembro a estimativa era de retração de R$ 37,8 bilhões nas aplicações das entidades em renda variável.
A projeção divulgada pela associação ainda não considera o comportamento do mercado em outubro. Números oficiais tabulados pela SPC (Secretaria de Previdência Complementar), considerando perdas e ganhos dos fundos neste ano, mostram que o superávit das entidades encolheu R$ 17 bilhões de janeiro a agosto.
O secretário de Previdência Complementar, Ricardo Pena, afirmou que a secretaria está “monitorando” a situação.
Na semana passada, o CGPC (Conselho de Gestão da Previdência Complementar) aprovou resolução impondo critérios mais rigorosos aos fundos no momento de destinar seus superávits. A medida visa exigir maior grau de conservadorismo das entidades de previdência complementar na apuração de seus resultados.
De acordo com a Abrapp, no início de janeiro os fundos tinham em renda variável R$ 160 bilhões. De janeiro a setembro, esse valor caiu R$ 37,8 bilhões. No entanto, os investimentos das entidades em renda fixa renderam R$ 29,4 bilhões. “Considerando esses dois valores, estima-se uma variação patrimonial negativa das entidades em setembro deste ano de aproximadamente R$ 8,4 bilhão”, informa a Abrapp.
Já o valor do superávit divulgado pela SPC considera todos os investimentos do fundo até agosto, incluindo aplicações em imóveis. Em dezembro do ano passado, o superávit total dos planos de previdência era de R$ 76 bilhões. Entre os planos com déficit, informou a secretaria, o resultado negativo chega a R$ 24,6 bilhões.

Empresas mudam posição e elevam alta do dólar no país

São Paulo, quarta-feira, 08 de outubro de 2008

Empresas mudam posição e elevam alta do dólar no país

Corrida ao mercado de câmbio impulsiona moeda

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Além da crise de crédito e da fuga de recursos para investimentos de menor risco, a alta do dólar, no Brasil, que já chega a cerca de 50% desde agosto, tem um componente adicional.
Muitas empresas que fizeram aposta de alto risco na manutenção do dólar numa faixa de R$ 1,60 a R$ 1,70 até o final do ano em operações complexas de câmbio estão desmontando suas posições abruptamente e, para isso, compram dólar de forma alucinada.
É essa a razão que fez o dólar subir ontem 5,14% e atingir R$ 2,311 -maior valor desde 31 de maio de 2006-, apesar das vendas da moeda realizadas pelo Banco Central.
A equipe econômica, incluindo o BC, já foi informada desse movimento e nada pode fazer. São operações legais e sigilosas. Só os bancos e as empresas que realizaram a operação podem tornar as informações transparentes.
Os rumores do mercado são que o total dessas operações pode ter atingido R$ 40 bilhões. Para muitos especialistas, depois da conclusão dessas operações de desmonte, o dólar deve recuar.
A duas únicas operações que vieram a público foram da Aracruz e da Sadia. As perdas da Aracruz somaram R$ 1,9 bilhão, e as da Sadia, R$ 750 milhões. As informações do mercado são que muitas outras empresas e fundos de investimento fizeram essas mesmas operações e agora se desfazem delas para evitar um prejuízo maior se o dólar subir mais.
Complexas e sofisticadas, essas operações de derivativos proporcionaram lucros enormes às empresas e continuariam a possibilitá-los, caso a crise não tivesse alterado o rumo dos acontecimentos. Nenhuma instituição previa que o dólar fosse romper a barreira de R$ 1,90, muito menos que chegasse a R$ 2,30.
Apesar de complexas, as operações tinham mais ou menos o seguinte formato: as empresas ou fundos apostaram que o dólar não iria passar de R$ 1,90 neste ano. Elas venderam para os bancos opções de compra de dólar fixando este limite para o dólar. Quando as empresas fizeram essas operações, a cotação da moeda americana estava em cerca de R$ 1,60.
Essas operações foram registradas na BM&F, na Cetip e em mercados de balcão fora do Brasil (“offshore”). A pergunta que se faz é: se ninguém apostava na alta do dólar, por que alguns bancos aceitavam comprar essas opções de alto risco dessas empresas?
A resposta é que os bancos compravam esses títulos e os lançavam contabilmente no chamado Livro de Volatilidade, de operações de altíssimo risco, e ao mesmo tempo faziam o chamado “hedge” (proteção) para se protegerem de eventuais perdas. Ou seja, o banco não perdia com a operação e poderia ganhar muito caso o dólar ultrapassasse a barreira de R$ 1,90, como aconteceu.
Muitas dessas operações de alto risco foram casadas com algum tipo de empréstimo contraído num banco ou num fundo de investimento. As instituições ofereciam ao mesmo tempo empréstimos a juros favorecidos caso as empresas aceitassem fazer essas opções derivativas de venda de dólar a futuro. O mercado apelidou essas operações casadas de “tarn” -“lago nas montanhas”, em inglês.
Com a alta do dólar, as empresas, agora, estão correndo para desfazer suas posições no mercado de câmbio, apesar de as opções não terem vencido ainda. O problema é que, quanto mais sobe o dólar, maiores são as perdas das empresas. Por isso, as empresas estão comprando dólar para zerar suas posições, como se diz no jargão do mercado financeiro.
Essas operações chegaram a ser estudadas por alguns grandes bancos, mas eles preferiram não fazê-las. Foram consideradas de risco muito elevado.

Contra a parede
Ontem, o BC voltou a realizar um leilão de contratos de “swap” cambial, oferecendo aos bancos papéis que pagam a variação do câmbio em determinado período. Em troca, o BC recebe juros. No entanto, de novo, foi efetivamente negociado um volume inferior ao ofertado pelo BC: US$ 1,359 bilhão, contra US$ 2,3 bilhões.
Segundo a Folha apurou, muitos bancos estão pedindo taxas altas demais pelos contratos e acabam não os adquirindo porque o BC não concorda em vender nas suas condições. Essa estratégia limita o sucesso da intervenção. Assim, as instituições financeiras esperam forçar o BC a vender moeda no mercado à vista.