Blog de Christy Ganzert Pato

Diálogos em terra arrasada

Arquivo para Sistema Monetário Internacional

Bretton Woods, 60 anos

Artigo escrito pelo professor Fernando Cardim de Carvalho, da UFRJ, e publicado na revista Novos Estudos, do Cebrap.

RESUMO: a conferência de Bretton Woods, realizada em julho de 1944, buscou estabelecer um sistema de pagamentos internacionais alternativo ao padrão-ouro, visto como muito rígido e deflacionário, e às desvalorizações cambiais competitivas praticadas em períodos de instabilidade, como a Grande Depressão dos anos 1930. Dois planos principais foram ali examinados: o inglês, proposto por John M. Keynes, e o norte-americano, proposto por Harry D. White. Ao ratificar este último, o acordo de Bretton Woods consagrou o dólar como moeda internacional e criou o FMI para a sustentação de um regime de câmbio fixo “ajustável”, mas a inconsistência entre os papéis do dólar como moeda nacional e internacional acabaria por levar ao colapso do sistema e à reinvenção do FMI.

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Brasil ganharia se euro desafiasse dólar

São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

Para autor de estudo, Brasil ganharia com novo cenário

Última grande mudança foi queda da libra após 1945

DE GENEBRA

O Brasil sairia ganhando se o euro desafiasse o dólar como principal moeda internacional, diz o economista Jeffrey Frankel. “Seria bom, porque o Brasil ganharia a opção de ter suas reservas em dólares ou em euros. Com isso, ficaria mais protegido contra abusos do privilégio de uma única potência dominante que se expande excessivamente”, disse Frankel à Folha, por e-mail.
Mudanças assim, entretanto, não vêm da noite para o dia. A libra esterlina foi a principal moeda internacional até 1945. Com o fim da Segunda Guerra e do império britânico, o dólar ocupou o seu lugar, ditando o ritmo da nova ordem mundial.
A troca vinha se anunciando tempos antes de ocorrer. A economia americana já era maior que a britânica em 1870, e passou a exportar mais em 1915. Ainda assim, por uma questão de inércia, a libra esterlina continuou sendo usada até 1945.
Um dos fatores que atrasaram a ascensão do dólar foi a falta de um setor financeiro sofisticado, que só surgiu com a criação do Federal Reserve (banco central), em 1913.
“O status de moeda de reserva internacional se deve a vários fatores, como tamanho da economia, fatia do país no comércio internacional e profundidade do setor financeiro”, diz Frankel. “E inércia. Se a moeda tem esse status hoje, provavelmente terá amanhã. Mas isso funciona até certo ponto.”
Esta não é a primeira vez que a hegemonia do dólar é posta em questão. Nos anos 90, o fortalecimento da libra esterlina, do marco e do ien criou a ilusão de um desafio, mas as economias do Reino Unido, da Alemanha e do Japão não eram páreo para a americana. Hoje, a União Européia é maior economicamente do que os EUA (veja quadro nesta página) e ainda é beneficiada por erros do rival.
“As qualidades que permitem que o euro desafie o dólar derivam de decisões nada inteligentes tomadas pelos EUA nos últimos anos, que eu chamo de excesso imperialista: crescentes déficits no orçamento, baixo nível de poupança, um grande déficit em conta corrente e uma política externa mal guiada”, diz Frankel.
Diplomacia e economia costumam se confundir. Na década de 60, governos ocidentais apoiaram o dólar unidos contra a ameaça soviética. Hoje, a Guerra Fria foi substituída por uma rivalidade mais complexa, que subverte antigos conceitos.
Para o colunista do “Financial Times” Wolfgang Münchau, o euro só não avançará mais se estiverem certas algumas teorias conspiratórias -como a de que Bancos Centrais estrangeiros se uniriam para proteger seus ativos em dólar. “Não funciona assim. A rede de fatores que favoreceu o dólar no passado poderia facilmente favorecer o euro no futuro”, escreveu. (MARCELO NÍNIO)

Avanço do euro esbarra na Europa

São Paulo, domingo, 30 de março de 2008

Avanço do euro esbarra na Europa

Estudo prevê que reservas superem as em dólar, mas continente, desunido, não ameaça hegemonia dos EUA

União Européia não tem posição comum em temas de política externa, mas economista diz que isso não impede escalada da moeda

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MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Uma simulação feita por dois economistas americanos acendeu o alerta: em menos de dez anos o euro poderá substituir o dólar como principal moeda internacional. A tendência recebe agora o empurrão da crise mundial iniciada nos EUA, cujo legado pode deixar de ser só econômico para ganhar dimensões geopolíticas.
Ao flexionar em excesso seu músculo militar e aumentar o seu déficit, os EUA teriam embarcado numa rota semelhante à que tomou o império britânico até a libra esterlina ser superada pelo dólar como moeda predominante nas reservas mundiais, em 1945.
Os autores da simulação, Jeffrey Frankel, de Harvard, e Menzie Chinn, da Universidade de Winsconsin, dizem que 25 anos de déficit em conta corrente nos EUA e mais de 30 de desvalorização do dólar ajudaram a corroer a hegemonia da moeda americana. Mas observam que isso não basta para provocar a mudança que vislumbram no sistema.
“O mais importante é que agora existe um rival confiável para liderar as reservas de câmbio, o euro, que tem muitas das características desejadas de uma moeda internacional”, afirma o estudo.
Na Europa, entretanto, as notícias da morte do dólar são consideradas um exagero. Quase dez anos depois de sua entrada em circulação, o euro é forte como moeda, mas fraco como símbolo político, e isso é visto como o maior empecilho para que a projeção de Frankel e Chinn se torne realidade.
“O problema central é que não há um governo europeu por trás do euro, e provavelmente não haverá”, diz Daniel Gros, diretor do Centro de Estudos de Políticas Européias, em Bruxelas, afirmando que falta representatividade para a moeda comum européia ter peso. “O euro nem sequer tem um representante nas instituições financeiras internacionais.”
Essa carência é reflexo de uma disfunção estrutural que costuma paralisar o processo decisório da União Européia, sobretudo em assuntos de política externa. Isso ficou claro nas crises internacionais recentes, como a independência de Kosovo e os distúrbios no Tibete, quando o bloco de 27 países mais uma vez rachou.
Essa desunião não invalida a previsão sobre a ascensão do euro, diz um dos autores do estudo. “Ser otimista sobre o euro não significa ser otimista em relação à Europa”, disse Frankel à Folha, por e-mail. “O euro não precisa de uma política externa comum para prosperar.”

Múltipla personalidade
Embora o Tratado de Lisboa, aprovado em dezembro, preveja modificações para corrigir o problema, como a nomeação de um presidente e de um chanceler, a UE ainda sofre o transtorno da múltipla personalidade. O mesmo que levou o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger à famosa pergunta: “Quero telefonar para a Europa, para onde ligo?”
A dúvida que intrigava Kissinger em 1970, quando a integração européia ainda dava seus primeiros passos, com apenas 12 membros, hoje é um desafio que se estendeu à moeda comum, usada por 15 dos 27 membros da UE.
“É hora de discutir o papel político do euro”, diz Paola Subbachi, chefe do Departamento de Economia Internacional do Instituto Real de Assuntos Internacionais, em Londres. Ela também acha que o vácuo de autoridade impede que o euro substitua o dólar como moeda global. “Basicamente não há ninguém responsável pelo euro. Certamente esse papel não é do BCE [Banco Central Europeu], cujo mandato se limita a controlar a inflação.”
O ceticismo em relação ao poder do euro parece restrito aos europeus. Em setembro do ano passado o ex-presidente do Fed (banco central dos EUA), Alan Greenspan, deixou claro que a hegemonia da moeda americana já não era tão sólida. Segundo ele, o dólar havia perdido boa parte da vantagem que tinha sobre as demais moedas.
Ainda assim, ela continua confortável. O Fundo Monetário Internacional calcula que 70% das reservas mundiais estejam em dólar, contra 25% em euro. Frankel e Chinn acham que essa proporção pode virar antes de 2015, devido ao desgaste econômico, ao esgotamento militar e à deterioração do sistema financeiro nos EUA.
Se mais países decidissem converter os dólares de suas reservas em euros, isso estimularia a mudança em outras transações financeiras internacionais, apostam os economistas, o que aceleraria o fim da hegemonia da moeda americana.
“Economicamente, os EUA perderiam o privilégio exorbitante que lhe permite dar dólares a estrangeiros em troca de bens, serviços e investimentos”, diz Frankel. “E geopoliticamente o país também perderia poder.”
Para Subbachi, o fortalecimento do euro não significa necessariamente o fim da hegemonia do dólar. “Não vejo euro e dólar em rota de colisão”, diz ela, apontando para uma nova ordem financeira, em que as duas moedas se complementarão. “Estamos caminhando para um sistema de dois pilares.”